SEGUNDA, 5 DE MARÇO DE 2012, 08H13 ATUALIZADA ÀS 09H28
A reforma da polícia segundo Marcos Rolim
Edmilson Lopes Júnior
De Natal (RN)
De Natal (RN)
O jornalista Marcos Rolim foi um dos mais brilhantes parlamentares que o Partido dos Trabalhadores já teve. Nas diversas casas parlamentares onde atuou (Câmara Municipal de Santa Maria, Assembleia Legislativa gaúcha e Câmara dos Deputados), Rolim deixou marcas positivas. Oriundo de uma militância anterior na esquerda tradicional, ele conseguiu incluir na pauta de discussões desses espaços legislativos questões tão fundamentais como os direitos humanos, o respeito à diferença e o tratamento democrático da segurança pública no Brasil.
Crítico e polêmico, Rolim não deixou de ser também um parlamentar criativo e propositivo. O "Relatório Azul", um minucioso relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil na segunda metade dos anos 1990, foi uma de suas idealizações. Na Câmara dos Deputados, foi um dos organizadores das comoventes "Caravanas Nacionais de Direitos Humanos". De certa forma, Rolim utilizava os mandatos para colocar o dedo na ferida do que o sociólogo Jessé Sousa, com propriedade, denominou de "sub-cidadania brasileira".
Em 2002, Rolim, atropelado internamente no PT, não conseguiu renovar o seu mandato. Ainda apostou, por um tempo, na possibilidade de disputar posições dentro do partido. Descobriu que esse tipo de disputa já não mais existia no partido que ajudara a consolidar no Rio Grande do Sul. Nesse momento, passa a dirigir as suas energias para a pesquisa e a consultoria na área de segurança pública. Além da produção de artigos e livros, tornou-se responsável pela elaboração de projetos de defesa social para prefeituras de diversas partes do país, além de ser professor de uma disciplina sobre direitos humanos em cursos do IPA, em Porto Alegre.
Nos últimos tempos, Rolim tem se imposto o desafio de pensar propostas para a reformulação dos organismos policiais brasileiros. Suas propostas, disponíveis no seu site (www.rolim.com.br) , são criativas e merecem a atenção de todos quantos nos preocupamos com a segurança pública no Brasil. Igualmente relevantes são os seus diagnósticos sobre os dramáticos acontecimentos que agitaram algumas de nossas PMs nas últimas semanas (greves e ameaças de motim).
Sobre o cotidiano de trabalho dos policiais militares, a apreensão de Rolim não poderia ser mais objetiva: "Desrespeitados como cidadãos, obrigados a um cotidiano embrutecedor e sem qualquer apoio psicossocial, desvalorizados profissionalmente, desestimulados ao estudo e à reflexão e, não raro, "adestrados" pelo autoritarismo, estes policiais irão para as ruas nas piores condições, tendendo a reproduzir a mesma desconsideração em suas relações com o público, destacadamente quando tratarem com pobres e marginalizados. O círculo de estupidez e ineficiência, então, se completa com os resultados conhecidos."
E a saída? Nadando contra a maré dominante, Rolim se manifesta contrário à unificação das polícias. E esse posicionamento é alicerçado em uma análise convincente, conforme se pode constatar abaixo:
"O que há de mais notável no modelo de polícia construído no Brasil, entretanto, deriva da opção pela repartição do ciclo de policiamento. A instituição policial moderna em todo o mundo desempenha suas funções a partir do que se denomina 'Ciclo Completo de Policiamento'; em outras palavras: as polícias modernas são instituições profissionais cujo mandato envolve as tarefas de 1) manutenção da paz pública, 2) garantia dos direitos elementares da cidadania, 3) prevenção do crime e 4) apuração das responsabilidades penais. Mas, no Brasil, se entendeu que uma das polícias - a Militar - seria encarregada da 'prevenção', pela presença ostensiva do patrulhamento fardado e outra - a Civil - seria encarregada da investigação criminal. Assim, a especialização entre patrulheiros e investigadores, em todo o mundo feita dentro das polícias, foi aqui dividida entre duas instituições com culturas e estruturas completamente distintas. O resultado é que nunca tivemos duas polícias nos estados, mas duas 'metades de polícia', cada uma responsável por metade do ciclo de policiamento.
A bipartição do ciclo impede que os policiais encarregados da investigação tenham acesso às informações coletadas pelos patrulheiros. Sem profissionais no policiamento ostensivo, as Polícias Civis não podem contar com um competente sistema de coleta de informações. Não por outra razão, recorrem com tanta frequência aos 'informantes' - quase sempre pessoas que mantém ligações com o mundo do crime, condição que empresta à investigação limitações estruturais e, com frequência, dilemas éticos de difícil solução. As Polícias Militares, por seu turno, impedidas de apurar responsabilidades criminais, não conseguem atuar efetivamente na prevenção vez que a ostensividade - ao contrário do que imagina o senso comum - não previne a ocorrência do crime, mas o desloca (potenciais infratores não costumam praticar delitos na presença de policiais; mas não mudam de ideia, mudam de local)."
Ao se reinventar como analista da segurança pública, Rolim continua contribuindo para alargar o nosso espaço público. Suas elaborações, mesmo que discordemos de algumas delas, são aportes incontornáveis para um debate menos passional sobre a necessária e urgente reforma dos organismos policiais brasileiros.
Edmilson Lopes Júnior é professor de sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
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