Índias levam bandeiras feministas às aldeias e assumem dianteira do movimento
BBC Brasil
"Letícia Yawanawá e Nazaré Apurinã (foto: BBC Brasil)"
Nascidas
em aldeias indígenas no Acre, Letícia Yawanawá, 49 anos, e Nazaré
Apurinã, 48, mudaram-se para Rio Branco nos anos 1980 para acompanhar os
maridos, que despontavam como líderes em suas comunidades e buscavam
completar os estudos na capital do Estado.
Por influência deles,
começaram a se interessar pelo movimento indígena, que à época
pressionava o governo pela demarcação de terras. Mas num dos primeiros
encontros que presenciaram, entre líderes da hoje extinta União das
Nações Indígenas do Acre e Sul do Amazonas (UNI), elas estranharam a
composição da mesa de debates.
'Havia mulheres trabalhando como
secretárias, assessoras, mas eram todas brancas', lembra Yawanawá.
'Então questionamos por que não poderíamos participar.'
A
reivindicação cresceu e, em 1996, Yawanawá e Apurinã resolveram se unir a
outras duas índias para discutir formas de melhorar a vida de mulheres
nas comunidades.
'Pela tradição, não tínhamos autonomia nas
aldeias. Mas quando os líderes viajavam para a cidade para participar de
reuniões, quem ficava tomando conta éramos nós. Precisávamos ter mais
voz', diz Apurinã.
Entre os pleitos do grupo estava fazer com que
as mulheres pudessem participar de decisões que vão desde a escolha do
local para o roçado à definição do líder do grupo.
Início
O início não foi fácil, porém. Apurinã diz que os homens encararam o gesto como uma afronta.
Para
pôr fim à desconfiança, elas convidaram os homens ao primeiro grande
encontro da organização, em 1998, no qual 200 índias compareceram.
'Queríamos mostrar que nosso objetivo não era competir, mas somar
forças', afirma Apurinã.
As reuniões prosseguiram e, seis anos
depois, o grupo foi formalizado com a criação da Organização das
Mulheres Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia
(Sitoakare), que hoje tem Apurinã como coordenadora e Yawanawá como
vice.
Hoje, passados 16 anos desde o início de sua luta, elas
dizem que a situação das mulheres nas aldeias ainda deixa muito a
desejar.
'Mas já há mulheres caciques e pajés. E passamos a influenciar nas decisões', afirma Apurinã.
'É
difícil deixar um filho na aldeia, com o pai, para participar de um
encontro em cidade, mas isso já começa a ser feito. O movimento nos fez
sair das quatro paredes.'
Causas tradicionais
Além de pregar
mais voz para as mulheres nas comunidades, o grupo tem atuado em prol
de causas indígenas tradicionais, como demarcação de terras e melhores
condições de educação e saúde. E com a extinção em 2005 da UNI, a
principal organização indígena da região, afundada em acusações de
desvio de recursos destinados à saúde indígena, elas têm assumido a
dianteira do movimento.
Segundo Apurinã, ainda há 17 Terras
Indígenas a serem demarcadas na região. Quanto às condições de saúde nas
aldeias, diz que são precárias porque o governo não aplica os recursos
disponíveis.
'Visitamos comunidades em que todos estão doentes.
Não dá para convidá-los a participar de nada', afirma, queixando-se da
falta de medicamentos nas unidades de apoio mais próximas das aldeias e
dos longos intervalos entre visitas de agentes de saúde.
'Quando um índio que não fala português direito vai a um hospital, há dificuldade imensa para fazer o diagnóstico', diz.
Ela cita ainda problemas de saneamento básico nas aldeias e poluição nos rios, que têm provocado doenças entre os índios.
A educação também recebe críticas: segundo Apurinã, apenas cerca de 10% das aldeias têm escolas até o ensino médio.
'Não
há incentivo para que os jovens façam faculdade. Quem vai à cidade fica
por conta própria, sem apoio algum. Tem que limpar quintal para ganhar
algum dinheiro, e às vezes volta para a aldeia antes de concluir o
curso', conta.
Com o espaço conquistado nos últimos anos, as
líderes dizem ter recebido propostas para trabalhar no governo. Mas
recusaram: 'Preferimos continuar no movimento, às vezes sem ter dinheiro
para comer, mas também sem rabo preso', diz Yawanawá.
'Muitos
líderes tradicionais foram aliciados pelo governo para se calar, em
troca de um salário. Mas, nas aldeias, apontam para a gente e dizem:
vocês são nossa esperança. Isso nos dá forças', relata.
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