sexta-feira, 29 de março de 2013

Política de cotas para negros em SP deve vir por Lei, defende Leci


S. Paulo – O programa de inclusão de negros e indígenas nas universidades estaduais paulistas deve sair do âmbito do Conselho de Reitores (CRUESP), onde foi concebido e lançado, com o aval do governador Geraldo Alckmin, e passar a ser objeto de discussão na Assembléia Legislativa, por meio de um Projeto de Lei.
A opinião é da deputada Leci Brandão, do PC do B, presidente da Comissão de Educação que, há cerca de 15 dias, presidiu a Audiência Pública reunindo reitores – inclusive o o professor Carlos Vogt, responsável pelo Programa que o Governo chama de PIMESP (Programa de Inclusão Social no Ensino Superior Público Paulista) - e movimentos sociais para debater a proposta. O projeto dos reitores prevê a reserva  até 2017, de 50% das vagas nas estaduais paulistas para alunos oriundos da escola pública, garantindo 35% para negros e indígenas - o percentual desse segmento no total da população paulista, segundo o Censo do IBGE 2010.
“Nossa intenção é reunir esforços para que a política de cotas nas Universidades paulistas seja adotada por meio de Projeto de Lei. A educação é uma questão de Estado”, disse Leci, em entrevista ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira.
A deputada do PC do B rejeita com veemência o argumento do Governo e dos reitores, segundo o qual, a proposta de inclusão deve ser feita pelos reitores em respeito ao princípio da autonomia universitária. “As Universidades devem ter autonomia de gestão, mas essa autonomia não pode lhes dar o direito de excluir os cidadãos e de adotar um sistema de seleção racista”, acrescentou.
Rejeição
A proposta de Alckmin é rejeitada por amplos setores do movimento negro que, desde novembro, se mobilizam por meio da Frente Pró-Cotas Raciais do Estado de S. Paulo. A proposta é considerada discriminatória e “racista”, dizem lideranças dessa Frente, dirigida majoritariamente por ativistas ligados a partidos de oposição a Alckmin.
Na audiência na ALESP, a dirigente da Associação dos Docentes da USP (ADUSP), professora Lighia Matsushigue, denunciou que o PIMESP reserva apenas 10% das vagas para negros e indígenas dentre as cerca de 22 mil existentes. Ela também lembrou que só 10% das vagas para o ensino superior em S. Paulo são oferecidas por instituições públicas (municipais, estaduais ou federais).
Na entrevista Leci – a única negra entre os 94 deputados estaduais paulistas – queixou-se de que os responsáveis pelo PIMESP “não ouviram os movimentos sociais” e que o projeto do Governo “cria uma distinção entre alunos cotistas e não cotistas que, ao invés de promover a inclusão levá a uma discriminação negativa”.
Ela também se disse a favor da unificação de uma única proposta (há dois Projetos de Lei tramitando na Assembléia – o PL 530/2004 e o PL 321/2012 – que tratam de cotas para negros e indígenas), que reúna as opiniões dos setores da sociedade que estão discutindo o tema há mais de uma década.
Leia, na íntegra, a entrevista da deputada Leci Brandão.
Afropress - A senhora está acompanhando o debate sobre o PIMESP - o programa de inclusão de negros e indígenas elaborado pelo Cruesp, com o aval do Governador Geraldo Alckmin - e como presidente da Comissão de Educação da ALESP dirigiu a audiência pública de quarta-feira. Qual a sua avaliação sobre o projeto?
Leci Brandão - Em minha opinião, um dos maiores problemas dessa proposta é a forma como ela foi elaborada. O PIMESP não ouviu o movimento negro, os movimentos sociais, os movimentos pró-cotas e outros setores representativos e que sempre lutaram para que a política de cotas fosse adotada nas Universidades.
Fora isso, vários pontos do projeto criam uma distinção entre alunos cotistas e não cotistas que ao invés de promover a inclusão levarão a uma discriminação negativa. O principal ponto, nesse aspecto, é o ICES [Instituto Comunitário de Ensino Superior], pelo qual os alunos cotistas teriam que passar antes de concorrerem, de fato, às vagas na Universidade.
Afropress - Durante a audiência houve um certo consenso entre lideranças dos movimentos sociais de que o Projeto de adoção de cotas para negros e indígenas (que o PIMESP traduz como metas de inclusão a serem atingidas), deve sair do âmbito do CRUESP e passar a ser tratado pela Assembleia Legislativa. Qual a sua posição sobre este ponto especificamente?
LB - Sou totalmente a favor dessa proposta. Inclusive esta foi a deliberação que saiu dessa audiência. Nosso mandato está comprometido em unir forças com outros parlamentares para unificarmos uma proposta de cotas para as Universidades públicas paulista.
Afropress - Há dois projetos propondo cotas para negros e indígenas tramitando na Assembleia - o PL 530 e o PL 321.  A senhora já tem posição a respeito desses projetos, acha que podem ser alternativas ao programa dos reitores e do Governo Estadual?
LB - Sou a favor da unificação de uma proposta e que ela seja elaborada ouvindo as opiniões e sugestões dos setores da sociedade que estão discutindo essa questão há mais de uma década. As organizações da sociedade civil devem ser ouvidas.
Afropress - Houve alguma gestão dos deputados na ALESP, no sentido de que o governador transforme o programa do CRUESP num projeto de Lei, estabelecendo-se a Assembleia como espaço de discussão e negociação sobre a matéria? Quais as vantagens em que o tema seja tratado como projeto de lei e não como um projeto administrativo do CRUESP, sob o argumento de que está se respeitando a autonomia universitária?
LB - A realização dessa audiência e da que houve no ano passado são resultado do empenho de deputados que têm compromisso com essa questão. Infelizmente, após a audiência de 2012 fomos surpreendidos com esse projeto. Nossa intenção é reunir esforços para que a política de cotas nas Universidades paulistas seja adotada por meio de projeto de lei. A educação é uma questão de Estado.
Se é mais do que evidente que o sistema de seleção nessas Universidades é excludente, negando a jovens pobres, negros e indígenas o acesso a esse direito fundamental, garantido na Constituição, o Estado deve ter ingerência sobre isso. As Universidades devem ter autonomia de gestão, mas essa autonomia não pode lhes dar o direito de excluir os cidadãos e de adotar um sistema de seleção racista.
Afropress - O tema das cotas já foi decidido como constitucional pelo STF, na histórica sessão de abril do ano passado. A senhora não acha que o projeto lançado pelo CRUESP está aquém do que já foi conquistado?
LB - Certamente. A decisão do STF deveria balizar todas as propostas com esse objetivo.
Afropress - Como se sente como a única deputada negra do Estado de S. Paulo, Estado com maior população negra do país em números absolutos. O que deve ser feito para aumentar a presença de negros e negras no parlamento paulista?
LB - Infelizmente, o parlamento paulista não é diferente das Assembleias Legislativas dos outros estados ou das Câmaras Municipais. Acredito que temos tido avanços com a aprovação de leis que garantem nossos direitos, mas a luta para que essas leis sejam aplicadas tem sido árdua. O racismo é estrutural na sociedade brasileira e isso criou uma realidade perversa na qual a população negra foi totalmente excluída de todos os espaços de poder e até onde ela tem um grande poder, que é nas urnas, esse poder não é exercido.
Ainda estamos no campo das exceções. Sou a segunda mulher negra a ocupar uma cadeira nesse parlamento. A primeira foi a doutora Theodosina Ribeiro, a quem prestamos uma bela homenagem no dia 23 de março. Isso é muito se considerarmos nossa história e as batalhas diárias que temos que enfrentar todos os dias para mostrar que podemos, mas é pouco diante do contingente que somos e da riqueza que construímos nesse país.
Nós precisamos ocupar, de fato, os espaços de poder e, para isso, as ações afirmativas são fundamentais e devem ser focadas, principalmente, na educação e no mercado de trabalho. Ou seja, deve ser educacional e econômica ao mesmo tempo. Não se fazer primeiro uma para que daqui a algumas décadas tenhamos a outra.
Quando falo de ocupar espaços de poder é em todas as áreas. No universo da política é fundamental, mas também é imprescindível estarmos na academia, gerando pensamento crítico sobre as questões que nos envolvem diretamente. É fundamental estarmos na mídia, não apenas com papéis protagonistas, mas também nos cargos de direção, como formadores de opinião. Temos que estar nas prefeituras, nos ministérios, no Judiciário, em todos os espaços.
http://www.afropresscomunicacao.com/post.asp?id=14652

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