quinta-feira, 26 de julho de 2012

O atirador no cinema, o Batman e o Coringa.


tERÇA-FEIRA, 24 DE JULHO DE 2012


O atirador no cinema, o Batman e o Coringa.


Sempre quando ocorre um evento como o que houve nesta semana nos EUA (quando um homem entrou atirando no cinema, na estreia do filme do Batman) ou quando alguém entra em uma escola atirando contra seus colegas, a primeira coisa que os meios de comunicação fazem é chamar um psiquiatra ou um psicólogo para explicar tal ato. Invariavelmente, o adjetivo "psicopata" é utilizado. Um diagnóstico que é realizado de antemão, automaticamente, sem ao menos conhecer o agressor, a vítima ou o contexto. Assim, ignora-se a complexidade do fenômeno, que inclui inúmeras variáveis e comporta uma explicação que nem sempre é o que as pessoas querem ou esperam ouvir.

A psicopatia é um fenômeno que faz com que as pessoas sejam alheias aos sentimentos dos outros (Veja mais neste artigo da Revista Mente e Cérebro). Eles possuem a incrível capacidade de não possuir culpa ou empatia, atributos realmente necessários para que uma pessoa cometa uma atrocidade, como matar uma pessoa. Mas a própria psicologia já demonstrou que a psicopatia é um fenômeno que não atinge somente assassinos. Ela pode ser muito útil para profissionais de áreas que tem de lidar com o sofrimento em seu cotidiano, como no caso de um médico, de um açougueiro ou de um policial.

Ou seja, a pessoa pode até ser um psicopata, mas não necessariamente será uma assassina. Até mesmo os psicopatas possuem freios que são acionados para evitar este tipo de situação. Portanto, a psicopatia por si só não desencadeia tal comportamento. Além disso, é mais do que claro que não são somente psicopatas que cometem crimes. Só é preciso que haja um gatilho, algo que iniba os mecanismos de controle da pessoa (seja ela psicopata ou não) para que ela cometa a atitude como, por exemplo, entrar em um cinema e atirar nas outras pessoas. Este gatilho pode ser acionado por um estresse emocional (que pode ser provocado por frustração, aborrecimentos, sensação de solidão, etc.), um estresse físico (desequilíbrio hormonal, por exemplo) ou até mesmo por influência convicções sociais, políticas ou religiosas (como no caso dos homens-bomba), entre outros fatores.

Descobrir o gatilho que gerou este estresse emocional é imprescindível para entender o que ocasiona tais situações. Ocorre que isso também não é suficiente para explicar este fenômeno do assassinato em massa. Outros fatores precisam ser analisados para se entender por que alguém escolhe um determinado público, um determinado cinema, um determinado filme ou até mesmo um determinado tipo de arma. Obviamente, não cabe a um sociólogo analisar à distância todos os fatores supracitados e determinar assim a causa do acontecimento. Mas algumas considerações acerca dos mecanismos de funcionamento da sociedade americana ajudam a esclarecer este evento com muito mais propriedade do que a análise psicológica do indivíduo. Isso é mais acentuado ainda levando em consideração que este não é um fenômeno isolado, já tendo ocorrido diversas vezes naquele país, sob inúmeras formas de manifestações (leia algumas aqui).

Uma das hipóteses mais comuns nestas situações é que o problema são os próprios filmes, jogos ou músicas que estimulam a violência entre os jovens. No entanto, está hipótese não se sustenta por si só. Estes mesmos filmes, jogos e músicas estão disponíveis também para canadenses, onde não vemos os jovens entrarem nos cinemas ou nas salas de aulas disparando contra outras pessoas.

A retiradas das duas hipóteses primárias (psicopatia e influência de vídeos, jogos e games)
permite levantar uma série de outras hipóteses, mais ou menos complementares, para explicar o ocorrido. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a repetição de acontecimentos similares nos EUA é o sintoma de uma "sociedade doente", ou melhor, uma sociedade que perturba seus indivíduos a ponto de lhes causar distúrbios (psicológicos ou psiquiátricos) e que lhes dá os meios para executarem tais atos. A grande questão é: como isso ocorre?

A resposta não é simples mas, resumidamente, uma das explicações mais aceitas é que isso ocorre principalmente em função de um alto grau de exigência do desempenho que a sociedade americana exerce sobre seus indivíduos, que não dá suporte aos que não conseguem atingir o modelo ideal imposto. Uma sociedade dividida entre loosers (perdedores) e champions (campeões), no qual o insucesso em alguma área da vida é automaticamente relacionado a incompetência individual e não a quaisquer outros fatores intervenientes.

O próprio Batman pode ser considerado um símbolo deste modelo ideal de cidadão americano: bonito, rico, bem sucedido com as mulheres, inteligente, justo, entre outras características tão valorizadas. Logo ele, tão beneficiado pela estrutura social, busca a paz em Gothan City, ou seja, a manutenção da sociedade tal qual ela está estruturada e, consequentemente, a manutenção dostatus quo. Nos filmes do Batman, os problemas são sempre associados a um personagem individual - o vilão - e não ao sistema que produziu tais criaturas.

Por sua vez, o Coringa (no qual o atirador diz ter se inspirado) é justamente o contrário disso: a aberração, o excluído, fruto de um pai violento que o mutilou física e psiquicamente. Mais do que isso, no próprio filme, o Coringa se diz o representantes de todos aqueles que sofrem a opressão dos que estão compactuam com este sistema. Seu objetivo é trazer anarquia, destruir as bases dessa sociedade perversa (ainda que a loucura no qual está imerso não permita que ele veja as contradições de seu discurso).

De outro lado, temos a questão do porte de armas. E este é um ponto crucial. Não é apenas uma sociedade que faz com que o indivíduo "enlouqueça" (como no filme Um dia de fúria), mas também é ela mesma que fornece os meios para que eles possam realizar tais atrocidades. O controle sobre o porte de armas nos EUA é quase inexistente (o atirador comprou 6 mil balas pela internet!!), uma vez que o direito cidadão a comprar, portar e usar armamentos é garantido pela constituição norte-americana.

Direito esse, baseado em mais um sintoma da doença social: a paranoia. Ou seja, não bastam os muros, as trancas, as portas, as cercas elétricas, as câmeras, os seguranças particulares. É preciso ter uma arma para se proteger. E se proteger de quem? Dos psicopatas, dos assassinos, dos terroristas, dos atiradores escondidos nos cinemas ou nas escolas. O problema esté sempre no indivíduo e nunca no coletivo.

Vejam que é um ciclo que se fecha. Logo após o massacre do atirador no cinema, um outro homem foi preso também nos EUA por ir armado assistir ao mesmo filme (veja aqui). Um assassino, um psicopata ou um cidadão que quer se proteger? Ao fim, é isto que os Estados Unidos se tornou: uma sociedade que é quase impossível distinguir quem é o bandido ou quem é o mocinho.

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