sábado, 2 de junho de 2012

As mulheres do Roger (Presidio da Paraíba)

As mulheres do Roger


Muita gente só conhece essa mineira apenas pela tela da TV Cabo Branco e poucos sabem do talento que ela carrega para registrar os bastidores da vida real que é obrigada a presenciar no dia a dia de cada matéria jornalistica que tem que cobrir. Ela poderia ser atriz, veterinária, advogada ou quem sabe jogadora de voleibol, mas o mundo a quis assim, uma contadora de histórias na vida real. PR por ela mesma se diz mineira de sangue, histórias e manias. Paraibana por acaso, mas convicta. Jornalista por instinto e formação. Jurou que nunca ia ter um blog e ficou quase três meses sem postar nadinha até o dia que eu a intimei. Ou atualize seu blog ou acabe com aquele espaço para sempre. Ele optou por escrever “As mulheres do Roger“ que conta o sofrimento das companheiras de presidiários que logem de serem aquelas mulheres de Atenas, são as nossas, que sofrem a realidade do submundo do crime do lado de fora do presídio..

Todos os dias, reserve um tempinho para ler “Um Minuto e Meio”, o Blog da Patrícia Rocha,(http://umminutoemeio.wordpress.com/?blogsub=confirming#subscribe-blog) nossa PR!



As mulheres do Roger


Quando cheguei elas já estavam há mais de doze horas sem notícias. Depois de um troca-troca de repórteres, era a minha vez de assumir o posto de vigilância. Cabia à minha equipe esperar por uma informação oficial, ou por alguma imagem que desse rosto e forma às notícias desastrosas que chegavam à redação.

Assim como elas… esperar.
Um paredão de policiais guardava o cordão de isolamento. A tensão era iminente. Nos dedos entrelaçados, que seguravam um rosto, incrédulo. Ou no telefone que chamava, em vão, dentro dos pavilhões.
Em pouco tempo, procurei um refúgio de sombra, sentada no chão, escorada na parede de cal. Muitas permaneciam de pé, anestesiadas pela preocupação. Tinha uma loira, com as roupas pendendo do corpo, como quem tomava um bronze forçado. Uma morena com cabelão, que falava bem alto, e com umas gírias incompreensíveis. Tinha uma negra mais velha que levantava a blusa até o sutiã. Uma novinha, sem os dentes da frente, que não largava o celular. Eram dezenas.
Eu olhava, de baixo, as especulações indignadas. A falta de informações alimenta a criatividade.
_ Tem polícia lá dentro, eu vi! Já tem vários feridos!
 _ Ele não atende o celular, tem alguma coisa errada!
_ Pode sabe, uma hora dessas estão espancando todo mundo!
Puxei assunto com uma que eu poderia olhar de frente. Uma magrinha de aparelho nos dentes. Sentada ao meu lado, no chão, ela mantinha um tom ainda sereno. Um olhar perdido no vazio. Sussurrava entre os dentes a dó com que havia deixa o menino de pouco mais de um ano na casa da sogra, ainda de madrugada.
Assim como tantas, levava as marcas das paixões na pele. Uma flor estampava a coxa direita. E nomes se espalhavam por braços, pés e cóccix. Mas ela não tinha aquele jogo de ombros, não usava um caco em todo fim de frase e nem xingava cada policial que passava.
Mas se elas pudessem imaginar… prefeririam o silêncio.
As primeiras notícias vieram do alto. Uma fumaça preta, que pairava sobre os pavilhões. As câmeras se voltavam para o céu. Os PMs respiravam devagar.
Os gritos histéricos foram abafados pelo primeiro rojão. Um estrondo de bomba, de tiro, de bomba, de tiro. Bala de borracha? Bomba de efeito moral? Quantos feridos? Havia mortos? Quem atirava? Por que? Mas os olhares de piedade paravam no rosto dos policiais, estáticos, feito a guarda inglesa.
Na confusão, a ordem era afastá-las, ao máximo, da porta do presídio.
Eles avançavam com o cordão de plástico; elas gritavam.
Eles marchavam contra a multidão; elas xingavam.
Eles tentaram algumas palavras de alento; elas romperam o cordão, com ódio.
A rebelião feminina, em via pública. Que sintonia!
O tal rosto pacato se perdeu em lágrimas. O sorriso de metal agora era escancarado, num grito. Vi o soar dos tiros provocar uma transformação imediata. Tentei dizer, sem a menor convicção, que tudo ficaria bem. Me senti ridícula!
Lá dentro, agentes penitenciários com armas não letais, tentavam controlar os presos até a chegada do pelotão de Choque.  Àquelas alturas, a tropa de elite da Polícia estava a muitos quilômetros dali.
Já passavam das duas da tarde quando as sirenes ecoaram no topo do morro. Uma, duas, três, quatro, cinco, mais de dez.Romperam o cordão de isolamento, em alta velocidade, sob a ira daquelas mulheres. Homens de preto, mascarados, com aqueles medonhos escudos de plástico.
Eu estava exausta. Há mais de cinco horas, em permanente estado de alerta. Sob sol forte, em cima de um salto… Deselegante! Já tinha me sentado em todos os degraus espalhados naquele perímetro. Já tinha ouvido várias histórias. Já sabia nomes, números, datas. Já tinha me rendido.
Tive vergonha do meu cansaço.
Quando a equipe da tarde chegou pronta para mais um turno era a minha vez de passar o posto. Elas continuariam com o mesmo vigor da noite anterior.
Saí sem olhar pra trás.










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