domingo, 16 de setembro de 2012

ATIVISMO DIGITAL


Debate: Ativismo digital enfrenta desafios para ganhar ruas na América Latina

Ao contrário de outras regiões do mundo, em que protestos virtuais contribuíram para a ida de milhões às ruas por mudanças sociais, na América Latina o ciberativismo ainda não está na origem de mobilizações de massa. Para superar o desafio, ativistas digitais acreditam que é preciso provocar mudanças culturais e não ignorar o poder da mídia tradicional nos países latinos.


Em 2009, após indícios de fraudes nas eleições no Irã e da repressão de Ahmadinejad aos primeiros protestos, a população, fazendo uso da internet para compartilhar informações e se organizar, foi aos milhões às ruas de Teerã. Entre 2010 e 2011, com forte utilização das redes sociais – inclusive em países onde o acesso à internet é bastante limitado -, movimentos mostraram ao mundo o que acontecia em ditaduras árabes, chegando a derrubar governos. Nos Estados Unidos e Europa, os Indignados e o movimento Occupy, que tiveram início com protestos online, depois tomaram as ruas das principais capitais do ocidente.
Na América Latina, no entanto, a situação é diversa. Apesar da mobilização virtual ser crescente, os protestos digitais ainda não conseguiram ganhar as ruas na mesma dimensão. Na avaliação de ativistas digitais que participaram esta semana do simpósio internacional “A Esquerda na América Latina”, realizado na Universidade de São Paulo, o cenário coloca inúmeros desafios para o movimento.
Para o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC, militante do Software Livre e autor de várias publicações sobre o tema, antes de mais nada, é necessário compreender o que acontece com a militância e com os organizadores de luta política dentro das redes sociais, principalmente com a relevância que uma série de tecnologias adquire no capitalismo.
“As práticas de comunicação foram alteradas com a internet e reorganizadas depois do surgimento das redes sociais. E essas práticas inverteram o ecossistema comunicacional. No mundo dos canais de comunicação de massa, era necessário lutar para democratizar o canal para se falar para milhares de pessoas. O difícil agora não é falar; é ser ouvido. É uma inversão brutal. Estamos em uma rede distribuída onde o problema não é construir um discurso; é fazer com que as pessoas estejam aptas a ouvi-lo”, explica.
Dentro dessa inversão de ecossistema, a comunicação em rede abriu espaço para pequenos e importantes atores. Décadas depois, os hackers, que surgem nos anos 60 com a utopia “democratizar a informação é democratizar o poder”, se juntam aos ativistas sociais e hoje o ambiente da internet se transforma em palco para inúmeras lutas, a partir da ação dos ciber e hackerativistas.
“A partir dos anos 90, os hackers se politizaram, porque boa parte integra o movimento de Software Livre e, de repente, teve que passar a enfrentar o Estado para poder exercer seu hobby, que é desenvolver códigos e compartilhar conhecimento. Tiveram que se coletivizar para enfrentar as leis de propriedade intelectual, que se enrijeceram no mundo inteiro”, explicou Sérgio Amadeu.
Hoje, uma das maiores expressões globais no novo ativismo digital são os Anonymous, um modelo de ação que nasce nos Estados Unidos entre ativistas, artistas e hackers e que passou a ter importância no mundo inteiro. Usando as técnicas do hackeamento e da hipertrofia, realizaram a Operação Payback, em protesto à retirada do site do Wikileaks pelos Estados Unidos e ao corte do financiamento do site de denúncias através de cartões de crédito.
“Quando fizeram isso, já havia 800 espelhos idênticos do Wikileaks no mundo. Ao mesmo tempo, sobrecarregaram o servidor dos cartões de crédito até ele cair, gerando milhões em prejuízo em todo o mundo. Isso é hipertrofiar, inverter a lógica. Não é crime, é protesto digital”, afirma Sérgio Amadeu. “A nova lógica dos movimentos, aqui na América Latina inclusive, onde Brasil e Argentina são pontas, não é mais “Proletários de todo mundo, uni-vos”. É “Hackers de todo o mundo, dispersem-se”, acrescentou.
Guerrilha virtual e ativismo de sofá
Olhando para a realidade brasileira, o ativismo digital em rede foi estratégico em alguns momentos da história recente do país para fazer o contraponto às informações e opiniões dominantes na mídia tradicional. O jornalista e membro da dos Blogueiros Progressistas, Rodrigo Vianna, lembrou do episódio da bolinha de papel atirada contra José Serra, então candidato do PSDB à Presidência da República. Atingido por um “objeto misterioso” atirado por adversários durante a campanha, Serra fez tomografia e conseguiu até a participação de um perito no Jornal Nacional, da Rede Globo.
“Mas a tese rapidamente foi desmontada na internet, de forma colaborativa. Usando imagens de um cinesgrafista do SBT, ficou claro que o objeto que atingiu Serra não era o que a Globo tinha mostrado; era uma bolinha de papel. A verdade se espalhou nas redes e ganhou uma dimensão importante naquele momento da eleição. Há 25 anos, um episódio como este demoraria três anos para ser desconstruído, como aconteceu com a edição do debate eleitoral de 1989, entre Collor e Lula, feita pela Globo. Você não tinha como reagir, não tinha contraponto”, lembra Rodrigo Vianna.
Como escreveu Antonio Gramsci, os aparatos privados de hegemonia, como os meios de comunicação, não estão ao alcance apenas das classes dominantes, mas também das subalternas, lembrou. “Ou seja, é possível travar a disputa sem disputar o Estado. É uma batalha pelos valores, feita no dia-a-dia”, analisou Vianna. “Porém, aqui no Brasil, ainda é uma guerra de guerrilhas, porque a TV continua tendo um peso tremendo. Quem dita a pauta política no Brasil se não meia duzia de veículos da velha mídia? O ativismo digital ganhou enorme relevância, mas temos pouca reflexão sobre seus impactos”, acrescentou.
Para Raphael Tsavkko, blogueiro, autor e tradutor do Global Voices, ainda há um descolamento entre o online e o offline no Brasil e na América Latina. As lutas nas redes levaram à realização de protestos como o Churrasco da Gente Diferenciada, em repúdio à reação da elite paulista contra a abertura de uma estação de metrô no bairro de Higienópolis; às manifestações contra as operações na Cracolândia; e mobilizações como a Marcha das Vadias e contra a construção da Usina de Belo Monte.
“Mas a repercussão nas redes foi maior do que nas ruas, e com a maioria de pessoas que já faziam parte de movimentos organizados. São poucos os exemplos de mobilizações que conseguiram transbordar a barreira dos catequizados”, analisou Tsavkko. “Enquanto isso, no Chile, os protestos dos estudantes se organizaram pouco pela internet, e mais pelos grêmios. Então ainda há este descolamento. É o que os EUA chamam de ativismo de sofá”, critica.
Um dos possíveis obstáculos para a superação desta diferência é o próprio alcance da internet no Brasil, onde apenas metade da população pode ser considerada usuária da rede mundial de computadores. Mas há outros.
“Temos uma série de dificuldades aqui, desde a divisão histórica da esquerda brasileira até uma apatia política do brasileiro, incentivada pela mídia que diz que “política é tudo igual”. E quando você pode simplesmente apertar um botão e “curtir” algo na internet mas não tem uma visão crítica sobre aquilo, isso acaba criando uma funalização do movimento online. Ma sem sair às ruas, apenas o ativismo online não vai conseguir mudar o mundo”, problematiza Tsavkko.
“Acontece que as pessoas não vivem política 24 horas por dia. Nosso discurso não está adiantando; os blogs de esquerda não tem tanta audiência. Estamos lidando com uma ideologia que penetra e que está na cultura. Esta é a questão central. E aí estamos perdendo a batalha. Não vamos ganhar a batalha partidarizando ou politizando a cultura, mas passando por ela”, acrescenta Sergio Amadeu.
“Dentro do aspecto cultural que precisa ser debatido, temos que olhar para o poder da mídia tradicional. Quando passa um reallity show na TV, este vira o tema mais comentado na internet. Ou seja, a TV dita o que vai ser debatido nas redes. Por isso ainda temos que disputar o poder dos grandes meios”, acredita Rodrigo Vianna.
(Bia Barbosa, site Carta Maior)

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